sábado, 12 de setembro de 2015

A Doutrina Bíblica do Pacto das Obras/Criação





  Introdução:
O estado original do homem em sua relação com Deus (vida religiosa) tinha suas raízes numa aliança, conhecida como aliança, ou pacto das obras ou pacto da criação. A Escritura apresenta claramente o caminho da salvação na forma de uma aliança no paralelo que Paulo traça entre Adão e Cristo (Rm 5), logo o estado de integridade de Adão deve ser visto também em termos de uma aliança.
 

Essa forma de entender a relação do homem com Deus é conhecida historicamente de teologia do pacto ou teologia federal (representativa. Do latim foedus = aliança, pacto, tratado, convenção, união). Sua sistematização final aconteceu no período da Reforma; inicialmente com Bullinger (Compêndio da Religião Cristã); depois Oleviano e finalmente Cocceio (1648). A doutrina do pacto é a espinha dorsal da Confissão de de Fé de Westminster. A doutrina do pacto das obras (da criação) teve fraca receptividade na teologia católico-romana e na luterana devido sua atitude de rejeição da doutrina da imputação imediata do pecado de Adão aos seus descendentes.

Nos EUA está presente nos escritos de Charles Hodge, Thornwell, Breckenridge e Dabney. Na Holanda foi ensinada por Abraham Kuyper e Herman Bavinck, influenciando a Teologia Sistemática de Berkhoff, que é adotada nos seminários presbiterianos brasileiros desde 1970. Por essa razão, a fé Reformada é conhecida como a teologia do Pacto.
 

O. Palmer Robertson define que "pacto é um vínculo de sangue administrado soberanamente" (p.8). Ele sempre contém o sentido de vínculo ou relacionamento, antes que a idéia de "obrigação" ou "compromisso". O elemento essencial de um pacto é que alguém fica vinculado a outrem pelo estabelecimento de um compromisso. O vínculo leva a obrigações graciosas da parte de Deus para com o homem, e de uma resposta obediente da parte deste último para com Deus.

B. O Fundamento Bíblico da Doutrina da Aliança das Obras.
1. OS ELEMENTOS COMPONENTES DE UMA ALIANÇA ESTÃO PRESENTES NA NARRATIVA DA CRIAÇÃO.
 
Gênesis 1-3 não define o tempo de duração da “aliança”, mas isto não quer dizer que os dados necessários para a formulação de uma doutrina da aliança não estejam presentes ali. Embora a palavra “trindade” não apareça nas Escrituras a doutrina da Trindade é claramente bíblica. Todos os elementos componentes de uma aliança estão indicados na Escritura, e se os elementos estão presentes, não somente temos base para relacioná-los uns com os outros, num estudo sistemático da doutrina, mas também temos o dever de fazê-lo, dando à doutrina assim elaborada um nome apropriado. Em Gênesis 1-3 são mencionadas duas partes: é estabelecida uma condição, está claramente envolvida uma promessa de recompensa pela obediência, e é feita a ameaça de uma penalidade pela transgressão. A Bíblia não descreve a instituição do pacto entre Deus e Adão, nem os termos firmados e sendo aceitos por Adão, todavia não lemos esse mesmo tipo de relato na aliança ratificada nos casos de Noé e Abrão.
 

Deus e o homem não comparecem como partes iguais em nenhuma destas alianças. Todas as alianças de Deus são da natureza de disposições soberanas impostas ao homem. Deus é absolutamente soberano em Seus procedimentos para com o homem, e tem todo o direito de impor as condições que o último deve cumprir, para desfrutar o Seu favor. Além disso, mesmo em virtude da sua relação natural, Adão tinha o dever de obedecer a Deus; e quando foi estabelecida a relação pactual, essa obediência tornou-se também uma questão de interesse próprio. Quando entra em relações pactuais com os homens, é sempre Deus que estabelece os termos, e estes são termos misericordiosos, provenientes da Sua graça, de modo que Ele tem, deste ponto de vista igualmente, todo o direito de esperar que o homem lhes dará assentimento. No caso da aliança das obras, Deus anunciou a aliança, e Adão, vivendo ainda sem pecado tinha garantia suficiente da sua aceitação.

2. HOUVE PROMESSA DE VIDA ETERNA.
 
Alguns negam a existência de qualquer prova bíblica da promessa de vida eterna feita a Adão, mas ela está claramente implícita na alternativa da morte como o resultado da desobediência. A clara implicação do castigo anunciado é que, em caso de obediência, a morte não entraria no mundo, e isto só pode significar que a vida teria continuidade. Tem-se objetado que isto significa apenas a continuação da vida natural de Adão, e não daquilo que a Escritura chama de vida eterna. Mas o conceito bíblico de vida é vida em comunhão com Deus; e esta é a vida que Adão tinha, conquanto no caso dele ainda pudesse ser perdida. Se Adão vencese o período da prova, esta vida não somente seria mantida, mas também deixaria de estar sujeita a ser perdida e, portanto, seria elevada a um plano mais alto. Paulo diz-nos expressamente em Rm 7.10 que o mandamento, que é a lei, era para a vida. Comentando este versículo, diz Hodge: “A lei foi destinada e adaptada para assegurar a vida, mas de fato veio a ser a causa da morte”. Isso está claramente indicado também em passagens como Rm 10.5 e Gl 3.13. Ora, esta gloriosa promessa de vida perene de modo nenhum estava implícita na relação natural de Adão com Deus, mas tinha base diferente. Essa base positiva e complacente de Deus era uma dádiva especial que sustenta o princípio da aliança. Pode continuar havendo alguma dúvida quanto à propriedade do nome “aliança das obras”, mas não pode haver quaisquer objeções válidas ao conceito de aliança presente no texto de Gênesis 1-3.

3. A ALIANÇA DA GRAÇA É A EXECUÇÃO SIMPLES DO ACORDO ORIGINAL, EXECUÇÃO FEITA POR CRISTO COMO O NOSSO FIADOR.
 
Ele se encarregou espontaneamente de cumprir a vontade de Deus. Ele se colocou sob a lei para poder redimir os que estavam sob a lei e que já não estavam em condições de obter vida mediante o seu próprio cumprimento da lei. Ele veio fazer o que Adão não conseguiu fazer, e o fez em virtude de um acordo pactual. Se assim é, se a aliança da graça é, no que se refere a Cristo, nada mais nada menos que o cumprimento do acordo original, segue-se que este deve ter sido também da natureza de uma aliança. E visto que Cristo satisfez a condição da aliança das obras, o homem pode agora colher o fruto do acordo original pela fé em Jesus Cristo. Agora há dois caminhos de vida, os quais são em si mesmos caminhos de vida; um é o caminho da lei: “o homem que praticar a justiça decorrente da lei, viverá por ela” (Rm 10.5) mas é um caminho pelo qual o homem não pode mais achar a vida; e o outro é o caminho da fé em Jesus Cristo, que satisfez as exigências da lei e pode dispensar a bênção da vida eterna.

4. O PARALELO ENTRE ADÃO E CRISTO É BASEADO NO CONCEITO DA ALIANÇA.
 
O paralelo que Paulo traça entre Adão e Cristo em Rm 5.12-21, no contexto da doutrina da justificação, só pode ser explicado com base no pressuposto de que Adão, à semelhança de Cristo, era o chefe de uma aliança (cabeça representante). De acordo com Paulo, o elemento essencial da justificação consiste nisto: que a justiça de Cristo é-nos imputada, sem qualquer obra pessoal da nossa parte para merecê-la. E ele considera isso um perfeito paralelo em relação à maneira pela qual a culpa de Adão nos é imputada. Isto leva naturalmente à conclusão de que Adão também estava numa relação pactual com os seus descendentes.

5. A PASSAGEM DE OS 6.7.
 
Em Oséias 6.7 lemos: “Mas eles transgrediram a aliança, como Adão”. Têm sido feitas tentativas para desacreditar essa tradução. Alguns têm sugerido a forma “em Adão”. O que implicaria, que alguma transgressão muito conhecida ocorreu num lugar chamado Adão. Mas a preposição proíbe essa tradução. Além disso, a Bíblia não faz menção alguma dessa tal transgressão histórica muito conhecida em Adão. A Versão Autorizada (Authorized Version) traduz “Como homens”, caso em que significaria, de maneira humana. A isto pode-se objetar que não há plural no original, e que essa declaração seria deveras fútil, pois como o homem poderia transgredir, senão à maneira humana? A tradução “como Adão” é a melhor, tendo o apoio da passagem paralela de Jó 31.33, e ajuda a esclarecer Romanos 3.23: “Todos pecaram e carecem da glória de Deus”. Todos pecaram em Adão, seu representante, e por isso são pecadores.

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Bibliografia:
 Louis Berkhof, Teologia Sistemática, ECC, p. 203-209 / O. Palmer Robertson, O Cristo de Pactos, LPC, p. 7-18. / Mauro F. Meister, “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto”, Fides Reformata, vol. 3.I; jan-jul/1998, p.110-123. / Gleason L. Archer Jr. “Aliança”. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, vol. 1, Vida Nova, p.44-46.

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